por Josie Jeronimo – IstoÉ
Os deputados Augusto Coutinho, Inocêncio Oliveira e os senadores Wilder Morais
e Lobão Filho (da esq. para a dir.) têm sido favorecidos pelo programa Minha Casa, Minha Vida
De vitrine do governo Dilma Rousseff à vidraça para os órgãos de
controle, o programa Minha Casa, Minha Vida se tornou uma fonte de
problemas e fraudes. Nas últimas semanas, o jornal “O Globo” denunciou
que ex-servidores do Ministério das Cidades integrariam um esquema para
ganhar contratos de habitação destinados às faixas mais pobres da
população. Os antigos funcionários das Cidades não são, porém, os únicos
que lucram com um dos principais programas sociais do governo.
Levantamento feito por ISTOÉ indica que a política habitacional criada
para ajudar os mais pobres enriquece também deputados e senadores. Os
parlamentares se aproveitam de um filão imobiliário que já movimentou R$
36 bilhões em recursos públicos para a construção de 1,05 milhão de
casas e apartamentos para famílias de baixa renda. Os dados do Fundo de
Arrendamento Residencial (FAR) – reserva financeira composta por
recursos do FGTS e gerenciada pela Caixa Econômica Federal – mostram que
parlamentares de diferentes partidos têm obtido vantagens financeiras
com o programa de duas maneiras: na venda de terrenos para o
assentamento das unidades habitacionais e na obtenção de contratos
milionários para obras que são realizadas por suas próprias
empreiteiras. Entre eles, os senadores Wilder Morais (DEM-GO) e Edison
Lobão Filho (PMDB-MA), filho do ministro de Minas e Energia e presidente
da Comissão de Orçamento do Senado, e os deputados Inocêncio Oliveira
(PR-PE), Augusto Coutinho (DEM-PE) e Edmar Arruda (PR-PR).
O procurador Marinus Marsico, representante do Ministério Público no
Tribunal de Contas da União (TCU), não tem dúvidas da irregularidade de
tais práticas. Segundo ele, a utilização de financiamento habitacional
de programa do governo a empresas de parlamentares constitui, no mínimo,
conflito de interesses. “O parlamentar é um ente público. Assim, quando
firma contrato com recursos públicos, ele está dos dois lados do
contrato, porque ele é responsável por gerir ou fiscalizar essas verbas.
Há uma incompatibilidade. Não é possível servir a dois senhores. Ou
você é administração pública ou é empresa”, critica Marinus. Na
terça-feira 23, a própria presidenta Dilma admitiu a possibilidade de
haver irregularidades no programa e foi enfática ao dizer que o governo
tem a obrigação de investigá-las.
Os casos levantados pela reportagem, segundo o procurador, podem ser
apenas uma mostra de um crime muito maior. É prática corrente colocar
empresas e imóveis, como terrenos, em nome de terceiros, o que dificulta
a fiscalização. Mas em Pernambuco o vínculo com o parlamentar
beneficiado é direto. No Estado, nove mil das 20 mil casas prometidas
pelo programa do governo federal já foram entregues. A especulação
imobiliária é intensa, como também é grande a oferta de enormes áreas
para a construção das casas populares. Apesar disso, a construtora
Duarte, uma empreiteira local que abocanhou o contrato para erguer 1.500
casas no município de Serra Talhada, escolheu justamente as terras do
deputado Inocêncio Oliveira (PR-PE) para construir as habitações.
Dilma Rousseff admite irregularidades no Minha Casa,
Minha Vida e diz que o governo deve investigá-las
A área de 34 hectares fora adquirida pelo parlamentar 30 anos atrás,
antes de ser desapropriada pelo Departamento Nacional de Obras Contra a
Seca (Dnocs). Era parte de uma fazenda, que foi dividida em vários
lotes. O lote em questão foi declarado por Inocêncio à Justiça Eleitoral
em 2010 pelo valor de R$ 151 mil. No mesmo ano, ele vendeu o terreno à
construtora do programa Minha Casa, Minha Vida por R$ 2,6 milhões, de
acordo com registros do cartório do 1º ofício de Serra Talhada. Ou seja,
uma valorização espontânea de 1.600%. Procurado por ISTOÉ, Inocêncio
confirmou o negócio, mas disse ter recebido “apenas R$ 1 milhão”, dando a
entender que a empreiteira registrou valor diferente. O parlamentar
disse ainda desconhecer o uso da área. “Eu não tenho nada a ver com a
Caixa. Vendi para uma empresa particular”, afirma. Coincidência ou não, o
negócio foi fechado no fim de 2010, momento em que a prefeitura de
Serra Talhada era comandada por Carlos Evandro, do PR, um colega de
partido de Inocêncio.No Recife, o deputado federal Augusto Coutinho
(DEM) também tenta tirar proveito do programa Minha Casa, Minha Vida,
seguindo o exemplo de Inocêncio Oliveira. O governo negocia com o
parlamentar a compra de uma área de 2.400 metros localizada no bairro de
Campo Grande para construção das casas populares. As terras estariam
registradas em nome de sua construtora, a Heco. Os valores precisos da
negociação não foram divulgados. Coutinho já declarou que não aceita
menos de R$ 300 mil para ceder o terreno para o Minha Casa, Minha vida. O
caso, no entanto, deve parar na Justiça. A prefeitura, nas mãos do PSB,
alega que a área é de propriedade da Marinha. Outro jeitinho arranjado
pelos parlamentares para lucrar com o programa federal é fechar
contratos com suas próprias empreiteiras para a construção das unidades
habitacionais. Segundo dados da Caixa Econômica Federal, obtidos por
ISTOÉ, um dos barões do Minha Casa, Minha Vida é o senador Edison Lobão
Filho (PMDB-MA), presidente da Comissão de Orçamento do Senado. Até o
fim do ano passado, ele já havia embolsado R$ 13,5 milhões por meio de
contratos firmados por sua empreiteira, a Difusora Incorporação e
Construção. Um dos empreendimentos populares de Edinho, como ele é
conhecido no Senado, financiados pelo Fundo de Arrendamento Residencial,
está sendo erguido no município de Estreito, a 700 quilômetros de São
Luís.
O município tem atraído investimentos milionários desde que recebeu o
canteiro de obras da usina hidrelétrica de Estreito em 2007 –
empreendimento de R$ 1,6 bilhão do Programa de Aceleração do Crescimento
(PAC). A população local cresceu 60%, saltando de 25 mil habitantes
para 40 mil. No mês passado, a Caixa Econômica Federal abriu sua
primeira agência no município e anunciou investimentos de R$ 57 milhões
para construir mil casas.
Deputado Edmar Arruda diz que empreiteira que lucra com casas “é da família”
No Paraná, em pelo menos três municípios, imóveis do Minha Casa,
Minha Vida levam o selo da Cantareira Construções. A empreiteira
pertence ao deputado Edmar Arruda (PR-PR). Só da Caixa, a Cantareira
recebeu R$ 65,5 milhões até o fim de 2012. E a empresa do deputado
fechou novo contrato para construir 400 casas no município de Paranavaí,
um acerto de R$ 30 milhões. Os recursos, desta vez, virão do Banco do
Brasil. Acumulando as funções de representante do Legislativo e
presidente do Grupo Cantareira, Arruda percorre municípios do Estado
discutindo com prefeitos projetos de ampliação do Minha Casa, Minha
Vida. Em um evento na Câmara Municipal de Ivatuba (PR), no fim de 2011,
Arruda foi homenageado por anunciar um empenho de R$ 300 mil de uma
emenda parlamentar para a cidade. Na mesma reunião, aproveitou para
fazer lobby pela construção de 140 casas do programa Minha Casa, Minha
Vida. O próprio deputado-empreiteiro, sem nenhum constrangimento,
explicou aos vereadores que o município precisaria captar R$ 2,3 milhões
com o programa do governo para tirar as habitações do papel. Procurado,
ele alegou que já foi sócio da empresa, mas hoje não faz mais parte
dela. Embora, na reunião com os prefeitos, ele seja apresentado como
presidente do Grupo Cantareira, Arruda diz que a empresa “está em poder
da sua família”, como se isso resolvesse o conflito de interesses.
Arruda argumenta ainda “que o dinheiro do Programa Minha Casa, Minha
Vida não é público e que advém de recursos oriundos de fundos como o FAT
e o FGTS”.
No Estado de Goiás, a história se repete. Em Nerópolis, município
próximo a Goiânia, a Orca Incorporadora constrói o conjunto residencial
Alda Tavares. A empreiteira é do senador Wilder Morais (DEM), que
assumiu o gabinete de Demóstenes Torres após sua cassação por
envolvimento com o bicheiro Carlinhos Cachoeira. Até o final de 2012, só
em contratos com a Caixa, a empresa de Morais faturou R$ 42,1 milhões. O
empreendimento de Nerópolis está sendo investigado pelo Ministério
Público de Goiás depois que moradores relataram que as casas lá são
feitas com chapas metálicas. Os choques elétricos são rotina, um dos
beneficiados do programa disse que seu cachorro morreu eletrocutado no
quarto do filho. A construtora do senador também tem empreendimentos
populares em Aparecida de Goiânia. Procurado por ISTOÉ, Morais não
retornou as ligações. Questionada pela reportagem, a Caixa também não se
manifestou. O ex-superintendente da Caixa Econômica Federal José Carlos
Nunes diz que os métodos de escolha dos terrenos e empresas para o
Minha Casa, Minha Vida ainda não são uniformes. “Tudo fica a critério da
Caixa, que escolhe quem quer”, critica Nunes.